sábado, 25 de janeiro de 2014

Relatos 2: A dor que não tem nome (Eliane Trindade e Fernanda Cirenza)

Maria Lúcia Pedroso Baliero, 45 anos, assistente social. Mãe de três filhos. Tarsila, a caçula da família, morreu no dia 21 de março de 1995, aos 15 anos, vítima de câncer.
 
Vai fazer oito anos que Tarsila partiu, vítima de um câncer que começou na tíbia. O tempo ajuda a dor a ficar mais branda. Como sou espírita, criei meus filhos sob esse preceito espiritual, acredito na sublimação, tenho como certa a eternidade. Mas a coisa do beijo, do abraço, do carinho não tem religião que sublime. É uma saudade que não sai nunca da gente. Minha filha recebeu todo o tratamento e carinho de que precisava. Além da quimioterapia, foi submetida a duas cirurgias para a retirada do tumor e a um transplante de sua própria medula. Mas a doença evoluiu. A certa altura, os irmãos mais velhos, Teo e Tais, tiveram de fazer um exame para saber se a medula deles era compatível com a dela. Aí recebi duas notícias de uma só vez: não havia mais muita coisa para ser feita por Tarsila, e Tais, minha outra filha, era portadora de lúpus. Nesse momento, tinha uma filha morrendo e outra com um diagnóstico de uma doença grave. Ninguém pode imaginar o que foi isso.
A história da Tarsila começou com dores nas pernas. Como era campeã paulista de ginástica rítmica com bola, fazia balé e sapateava, o médico achava que as dores eram causadas pelos exercícios. Ela tinha 11 anos quando recebemos a notícia da doença, ela soube de tudo desde o início. Nos quatro anos que lutou contra a doença, não esmoreceu um minuto. Nos intervalos da quimioterapia, queria ir para Paúba, onde temos uma casa. Para ela, Paúba não era só aquela praia maravilhosa, eram os amigos, as estrelas cadentes. Não deixou de frequentar os treinos de ginástica. Ia careca, de cadeira de rodas, de muletas, com gesso, com toda a dificuldade que se pode imaginar. Queria ajudar a professora a preparar outras ginastas. Também não largou os estudos e concluiu o ginásio. Foi oradora da turma e emocionou a todos. Ela era muito especial.
Em 1995, a doença evoluiu tanto que a morfina deixou de fazer efeito, Tarsila sentia dores insuportáveis. No final, estava sedada. No dia de sua partida, percebi que a respiração estava mais lenta e entendi que aquele era o momento. Eu a abracei e falei coisas que ela sabia, mas era fundamental reforçar o quanto a amávamos, o quanto ela era importante para nós... O momento era esperado, eu sabia que minha filha tinha uma doença grave, sabia de tudo, mas não há preparação possível para a partida de um filho. Senti uma dor tão profunda, mas tão profunda, que fiquei meio anestesiada, com uma emoção tranquila durante o velório e o enterro.
Superar a dor é complicado. Até hoje não assisto a nenhum vídeo em que Tarsila aparece. Tenho muitas fotos, algumas espalhadas pela casa, mas vídeo não vejo, não dá. A gente vai vivendo um dia depois do outro, com uma dor, uma saudade... Tenho muito o que falar da morte, mas quero pensar nas coisas boas. Deus foi generoso me presenteando com ela durante 15 anos. É duro, triste, mas tento sublimar da forma mais branda possível, até porque tenho certeza que, quanto mais eu falar dela com otimismo, será melhor para todos nós.
Depois da partida de Tarsila, eu tinha de cuidar da Tais. Como não tinha sintomas do lúpus, que pode causar emagrecimento, febre, lesões na pele e até neurológicas, foi poupada de medicação por seis anos, e essa foi a nossa sorte, porque o diagnóstico estava errado. Na verdade, Tais teve uma hepatite autoimune que não foi diagnosticada nem tratada. Por isso, a doença, a hepatite, acabou destruindo o fígado dela. Eu quase perdi outra filha... Descobrimos o erro só no ano passado, quando Tais começou a ter dores abdominais fortes e a inchar. Procuramos outro especialista, que pediu uma biópsia, e logo soubemos que a situação dela era gravíssima.

Tais fez o transplante de fígado às pressas. Recebeu o órgão em 24 horas, porque poderia morrer. Os riscos da operação são muitos, mas não tínhamos escolha. Tive muito medo. Tais está aí, medicada. Já faz dez meses que passou pela cirurgia... O problema é que a operação é delicada, as oito horas seguintes são fundamentais, depois são não sei mais quantos dias e assim por diante. É uma luta diária. Já briguei muito com Deus, mas também fico imaginando o que tenho de aprender com tudo isso. Não posso acreditar que esse ser superior seja injusto, tenho de tirar uma lição. Quero saber o que tenho de aprender até para não passar mais por isso.'
 
(Publicação extraída da revista Marie Claire)
 

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