A dolorosa
ocorrência do incêndio da boate Kiss, em Santa Maria (RS) causando a morte de
pelo menos 231 pessoas, nos traz a angustiosa a pergunta: por quê? Por que
acontecem essas tragédias coletivas?
Todas as
vítimas foram identificadas ontem (27/01/2013) e 106 continuavam internadas, 14
delas na capital. A maioria, jovens reunidos em uma festa de universitários,
morreu asfixiada. Celulares tocavam nos bolsos das vítimas enquanto elas eram
resgatadas, provavelmente familiares desesperados em busca de notícias, o que
causou comoção entre as pessoas.
O fogo
começou na espuma de isolamento acústico da boate Kiss, após um dos integrantes
de uma banda manipular um tipo de sinalizador, que atingiu o teto. O
guitarrista disse que o extintor de incêndio não funcionou. Segundo
sobreviventes, os seguranças, antes de perceberem o incêndio, teriam impedido
os jovens de saírem sem pagar.
Na era das
redes sociais, uma vítima, adicta do facebook, pediu socorro pela Web. Uns
tantos “curtiram”, não deu tempo dela responder aos comentários…
Por que
acontecem essas tragédias coletivas?
Outras
indagações acorrem à mente: por que alguns foram salvos, saindo da boate antes
do sinistro ou desistindo na última hora de ir à balada, sob insistentes
pedidos dos pais?
Por que
alguns foram poupados e outros receberam uma dolorosa morte com o trágico
incêndio da casa de espetáculos?
O
Espiritismo procura ter as respostas lógicas, profundas e claras que explicam,
esclarecem e, por via de consequência, consolam os corações humanos.
Para a
imensa maioria das criaturas essas provas coletivas constituem um enigma
insolúvel, pois desconhecem os mecanismos da Justiça Divina, que traz no seu
âmago a lei de causa e efeito.
Ante
tragédias como essa mais recente, ou como outras de triste memória — a queda do
avião da Gol em voo de Manaus para Brasília, o queda da aeronave da Tam em voo
de São Paulo para o Rio; o incêndio do Edifício Joelma, em São Paulo; o
incêndio no circo em Niterói; tsunamis; terremotos — enfim, diante desses
dramáticos episódios a fé arrefece, torna-se vacilante e, não raro, surge a
revolta, o desespero, a descrença. Menciona-se que Deus castiga violentamente
ou que pouco se importa com os sofrimentos da Humanidade.
Chega-se ao
ponto de comparar-se o Criador a um pai terreno e, nesse confronto, este sair
ganhando, pois zela pelos seus filhos e quer o melhor para eles, enquanto que
Deus…
N’O Livro
dos Espíritos, Allan Kardec escreve sobre as provações coletivas, no item
intitulado Flagelos Destruidores, conforme as questões 737 a 741. E o
entendimento que tomou corpo sobre esses trágicos eventos pode ser buscado em
vidas anteriores daquelas vítimas atuais, a Justiça Divina se realizando
através da lei do Carma.
Exatamente
no dia 17 de dezembro de 1961, em Niterói (RJ), ocorreu espantosa tragédia num
circo apinhado de crianças e adultos que procuravam passar uma tarde alegre,
envolvidos pela magia dos palhaços, trapezistas, malabaristas e domadores com
os animais. Subitamente irrompe um incêndio que atinge proporções devastadoras
em poucos minutos, ferindo e matando 503 pessoas, queimadas, asfixiadas pela
fumaça ou pisoteadas pela multidão em desespero.
Sobre essa
dramática ocorrência, que comoveu a todos, minucioso esclarecimento foi feito
pelo Espírito Humberto de Campos, inserida no livro Cartas e Crônicas.
Narra o
cronista espiritual que no ano de 177, em Lião, no sopé de uma encosta mais
tarde conhecida como colina de Fourvière, improvisara-se grande circo, com
altas paliçadas em torno de enorme arena. Era a época do imperador Marco
Aurélio, que se omitia quanto às perseguições que eram infligidas aos cristãos.
Por isto a matança destes era constante e terrível.
Já não
bastava que fossem os adeptos do Nazareno jogados às feras para serem
estraçalhados. Inventavam-se novos suplícios. Mais de vinte mil pessoas haviam
sido mortas.
Anunciava-se
para o dia seguinte a chegada de Lúcio Galo, famoso cabo de guerra, que
desfrutava atenções especiais do imperador. As comemorações para recebê-lo
deveriam, portanto, exceder a tudo o que já se vira. Foi providenciada uma
reunião para programação dos festejos.
Gladiadores,
dançarinas, jograis, lutadores e atletas diversos estariam presentes. Foi
quando uma voz lembrou: —”Cristãos
às feras!”
Todos
aplaudiram a ideia, mas logo surgiram comentários de que isto já não era
novidade. Em consideração ao visitante era preciso algo diferente. Assim, foi
planejado que a arena seria molhada com resinas e cercada de farpas embebidas
em óleo, sendo reunidas ali cerca de mil crianças e mulheres cristãs. Seriam
ainda colocados velhos cavalos e ateado fogo.
Todos
gargalhavam imaginando a cena. O plano foi posto em ação. E no dia seguinte,
conforme narra Humberto de Campos, ao sol vivo da tarde, largas filas de
mulheres e criancinhas, em gritos e lágrimas, encontraram a morte, queimadas ou
pisoteadas pelos cavalos em correria.
Afirma
Humberto de Campos que quase dezoito séculos depois, a Justiça da Lei, através
da reencarnação, reaproximou os responsáveis em dolorosa expiação na tragédia
do circo, em Niterói.
Uma outra
tragédia também mereceu dos Espíritos vários esclarecimentos. Por ocasião do
incêndio do Edifício Joelma, em São Paulo, ocorrido no dia lº de fevereiro de
1974, o médium Francisco Cândido Xavier, em seu lar, Uberaba (MG), ouvindo a
notícia pelo rádio, reuniu-se em prece com quatro amigos, solicitando auxílio
dos Benfeitores Espirituais para as vitimas.
Atendendo
ao apelo apresenta-se o Mentor Espiritual Emmanuel e escreve, através do
médium, comovedora prece inserida no livro Diálogo dos Vivos.
Dias
depois, em reunião pública, na qual estavam presentes alguns familiares de
vítimas do incêndio do Joelma, os poetas Cyro Costa e Cornélio Pires
(Espíritos) manifestaram-se pela psicografia, ditando ao médium sonetos
referentes à tragédia.
O soneto de
Cyro Costa traz uma dedicatória e aqui está transcrito:
Luz nas
chamas
Cyro Costa
(Homenagem
aos companheiros desencarnados no incêndio ocorrido na capital de São Paulo a
1º de fevereiro de 1974, em resgate dos derradeiros resquícios de culpa que
ainda traziam na própria alma, remanescentes de compromissos adquiridos em
guerra das Cruzadas.)
Fogo!…
Amplia-se a voz no assombro em que se espalha.
Gritos, alterações… O tumulto domina.
No templo do progresso, em garbos de oficina,
O coração se agita, a vida se estraçalha.
Tanto fogo
a luzir é mística fornalha
E a presença da dor reflete a lei divina.
Onde a fé se mantém, a prece descortina
O passado remoto em longínqua batalha…
Varrem com
fogo e pranto as sombras de outras eras
Combatentes da Cruz em provações austeras,
Conquanto heróis do mundo, honrando os tempos idos.
Na Terra o
sofrimento, a angústia, a cinza, a escória…
Mas ouvem-se no Além os hinos de vitória
Das Milícias do Céu saudando os redimidos.
Tecendo
comentários sobre o soneto de Cyro Costa, Herculano Pires pondera que somente a
reencarnação pode explicar a ocorrência trágica. Segundo o poeta as dívidas
remontavam ao tempo das Cruzadas. Estas foram realizadas entre os séculos XI e
XIII e eram guerras extremamente cruéis com a agravante de terem sido praticadas
em nome da fé cristã.
Os
historiadores relatam atos terríveis, crimes hediondos, chacinas vitimando
adultos e crianças. Os débitos contraídos foram de tal gravidade que os
resgates ocorreram a longo prazo. Tal como o do circo em Niterói. O que denota
a Bondade Divina que permite ao infrator o parcelamento da dívida, pois não
haveria condição de quitá-la de uma só vez.
Vejamos agora outro soneto
Incêndio em
São Paulo
Cornélio
Pires
Céu de São
Paulo… O dia recomeça…
O povo bom na rua lida e passa…
Nisso, aparece um rolo de fumaça
E o fogo para cima se arremessa.
A morte
inesperada age possessa,
E enquanto ruge, espanca ou despedaça,
A Terra unida ao Céu a que se enlaça
É salvação e amor, servindo à pressa…
A cidade
magoada e enternecida
É socorro chorando a despedida,
Trazendo o coração triste e deserto…
Mas vejo,
em prece, além do povo aflito,
Braços de amor que chegam do Infinito
E caminhos de luz no céu aberto…
A ideia de
que um ente querido tenha cometido crimes tão bárbaros às vezes não é bem
aceita e muitos se revoltam diante dessas explicações, mas, conhecendo-se um
pouco mais acerca do estágio evolutivo da Humanidade terrestre e do quanto é
passageira e impermanente a vida humana, a compreensão se amplia e aceitam-se
de forma mais resignada os desígnios do Criador. Por outro lado, que outra
explicação atenderia melhor a essas questões?
As
orientações do mundo espiritual sobre as provações coletivas expressam, é
óbvio, o que ocorre igualmente no carma individual. Todavia, é compreensível
que muitos indaguem como seria feita a aproximação dessas pessoas envolvidas em
delitos no passado. A literatura espírita, especialmente a mediúnica, tem
trazido apreciáveis esclarecimentos sobre essa irresistível aproximação que une
os seres afins, quando envolvidos em comprometimentos graves. A culpa, incutida
na consciência, promove a necessidade da reparação.
Allan
Kardec leciona de forma admirável a respeito das expiações, em O Céu e o
Inferno (cap. 7 – As penas futuras segundo o Espiritismo). Esclarece que “o
Espírito é sempre o árbitro da própria sorte, podendo prolongar os sofrimentos
pela permanência no mal, ou suavizá-los e anulá-los pela prática do bem”.
Assim,
expressa Kardec, as condições para apagar os resultados de nossas faltas
resumem-se em três: arrependimento, expiação e reparação. “O arrependimento
suaviza os travos da expiação, abrindo pela esperança o caminho da
reabilitação; só a reparação, contudo, pode anular o efeito destruindo-lhe a
causa”.
Este é o
“Código penal” da vida futura, que tem 33 itens e que apresenta no último o
seguinte resumo, em três princípios:
lº O
sofrimento é inerente à imperfeição;
2º Toda
imperfeição, assim como toda falta dela procedente, traz consigo o próprio
castigo nas consequências naturais e inevitáveis: assim, a moléstia pune os
excessos e da ociosidade nasce o tédio, sem que haja mister de uma condenação
especial para cada falta ou indivíduo;
3º Podendo
todo homem libertar-se das imperfeições por efeito da vontade, pode igualmente
anular os males consecutivos e assegurar a felicidade futura. A cada um segundo
as suas obras, no Céu como na Terra — tal é a lei da Justiça Divina.
(Texto de
Suely Caldas Schubert, adaptado por Juarez Duarte Bomfim)