sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Relatos 1: A dor que não tem nome (Eliane Trindade e Fernanda Cirenza)

Christine Marie Nunes Santos, 40 anos, fisioterapeuta, mãe de quatro filhos. Tiago, o mais velho, morreu em 7 de janeiro de 2000, aos 21 anos, em João Pessoa (PB):
 
'Meus filhos estavam de férias em João Pessoa, como acontecia todos os anos. Tiago entrou numa briga, achando que um dos irmãos tinha se envolvido, e foi atingido na traqueia e carótida por um garoto armado com uma faca. Tiago foi levado ao hospital, passou por uma cirurgia complicada e morreu dois dias depois devido a uma complicação pós-cirúrgica. Ele ficou na UTI umas 30 horas. Estava consciente e chegou a falar comigo. Sussurrava, gesticulava, e eu o entendia. Ao me ver angustiada, perguntou se estava bonito bronzeado. Os médicos diziam que, diante da gravidade, ele estava bem. Por causa disso, a notícia da morte foi inexplicável para mim.
Uns dias antes de ser golpeado, Tiago sofreu um sequestro-relâmpago. Depois de escapar dos bandidos, ele me falou: 'Mãe, quando eu estava no porta-malas do carro, pensei que não podia morrer sem ver você'. Quando lembro disso, me sinto abençoada por ter visto meu filho com vida. De certa forma, nós nos despedimos. Quando o vi morto, vivi aquela dor enorme e passei a acreditar que iria me relacionar com ele em outra dimensão. Sei que nossa separação não é definitiva e, de outra forma, não resistiria. Todos os dias, sento ao lado das fotografias dele e digo: 'Bom-dia, meu filho, onde você estiver. Que seu dia seja de muita paz, muita luz'. Não me importo se alguém acha que estou louca.
Como a morte aconteceu em João Pessoa e nós moramos em Brasília, tivemos de voltar para casa. Pegar aquele avião foi horrível, porque eu voltava para a realidade. Olhar a mesa e ver o lugar dele vazio, acordar de noite e ver a cama dele vazia... Sou uma mãe que gosta muito de tocar os filhos, tenho essa coisa de abraçar, pegar no colo. Tem horas que sinto uma vontade enorme de ver aquele sorriso, sentir aquele abraço... É muito difícil suportar tudo isso, e o que me segura é a fé de que meu filho continua.
Logo depois da morte, queria uma explicação para a vida. Em um mês, li 18 livros, de Einstein a obras espíritas. Estudei tendo os meus filhos, amamentei trabalhando e, depois de todos crescidos, minha sensação é de que nadei, nadei e morri na praia. Às vezes me sinto culpada e penso: 'Como não coloquei meu filho nos braços e não deixei que ele morresse?'. Ele só tinha 21 anos. A verdade é que nenhuma mãe tem controle de nada.
O agressor fugiu e mais tarde se apresentou à polícia. Como era primário, não ficou preso. Depois se envolveu em outra confusão e aí sim foi para a cadeia. Na verdade, sei pouco sobre ele, optei por não acompanhar o processo. Não me sinto em condições de lidar com isso. Preciso continuar vivendo com as lembranças boas de Tiago, de pensar nele bom e saudável. Tenho que me encher de amor para tentar suportar a perda.
Desde que Tiago morreu, faço terapia e também participo de um grupo de mães, o Afago, que é ecumênico. Cada um se expressa a sua maneira, mas o que nos une é a certeza de que nossos filhos se foram e continuam em outro lugar. Não tem nada pior para uma mãe do que achar que acabou ali. A gente fala da morte, mas também fala da vida, dos sonhos.
Minha dor mexe com toda a família. Quero que meus outros filhos sejam felizes. Preciso fazer ceia de Natal, as festas em família vão ter de acontecer, mesmo eu estando cortada por dentro. Olho para cada rosto de meus filhos e sinto um turbilhão de emoções: eles perderam um irmão querido. Tenho de fazer tudo para amenizar a tristeza. Quanto maior a felicidade de um, maior o buraco, o vazio. Tive alegrias enormes com meus filhos, mas sempre vem aquela coisa rasgando por dentro: por que Tiago não está aqui? O tempo todo a gente tenta recolocá-lo na nossa vida.
Na formatura do Daniel, ele decidiu que iríamos a uma missa. Foi um jeito de incluir Tiago na comemoração. O filho que vai, que morreu, vira um bebê de novo, a gente fica tentando protegê-lo. Outro dia, descobri que o antônimo de morrer é nascer. Não existe significado oposto para viver justamente por causa da continuidade. E até hoje, quando me perguntam quantos filhos tenho, digo quatro. Não dá para apagar os 21 anos que vivi com Tiago.'
 
(Publicação extraída da Revista Marie Claire)
 
 

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