Cada cultura tem suas próprias representações sobre o fim da vida e regras para a expressão do pesar. Na sociedade ocidental contemporânea a morte prevalece de duas formas: tanto como interdita, oculta e evitada quanto escancarada e até banalizada pela mídia. Na primeira perspectiva, é vista como vergonhosa, como algo que "não deve acontecer", sendo associada a intensos sentimentos de fracasso e impotência. A morte escancarada é aquela na qual não há possibilidade de mediação: ela invade nosso cotidiano por meio dos veículos de comunicação de massa e pela violência à qual estamos constantemente expostos.
Essas representações são fundamentais para entender como a sociedade se organiza no que se refere ao luto - a dimensão pública do pesar - e principalmente a suas manifestações e rituais. É importante considerar que esse fenômeno tem uma interface individual, subjetiva, e outra, social.
O processo tem início após a perda significativa de um objeto-entendido aqui no sentido psicanalítico, ou seja, uma pessoa, um relacionamento e até uma situação que tenham sido investidos de afeto e energia e com o qual se tem um vínculo forte. Entretanto, aquilo que é considerado significativo para quem sofreu a perda nem sempre é reconhecido e valorizado da mesma forma pela sociedade. E aí está a origem de sua faceta proibida, "não franqueada" e/ou não reconhecida.
O papel-tarefa do luto é dar um sentido à perda para que a pessoa enlutada consiga seguir em frente. O psiquiatra e psicanalista inglês John Bowlby (1907-1990) define como tarefa desse processo reconhecer e aceitar a realidade; lidar com os problemas que advêm da experiência da perda, permitindo que a pessoa se reorganize sem a presença do objeto perdido. Uma das principais condições para que esse "trabalho" (já que se dá no tempo e exige empenho) se complete é a possibilidade de expressão e compartilhamento da dor.
No entanto, no luto não franqueado isso se torna praticamente impossível: prevalecem os sentimentos de culpa, vergonha,
raiva e medo.
No entanto, no luto não franqueado isso se torna praticamente impossível: prevalecem os sentimentos de culpa, vergonha,
raiva e medo.
A cena descrita na página ao lado retrata a enorme solidão e o risco de adoecimento daqueles que vivem o luto não permitido.
Segundo Kenneth J. Doka, nesses casos não há apoio social nem legal ou reconhecimento, impossibilitando que o enlutado expresse seu pesar e partilhe sentimentos. É o que G. Caselatto define como dor silenciada, pois há regras de como, quando, quem, por quem e porquanto tempo o processo de luto deve ser vivido.
Em linhas gerais, esses aspectos estão presentes,
ficando mais evidenciados em situações não franqueadas.
Segundo Kenneth J. Doka, nesses casos não há apoio social nem legal ou reconhecimento, impossibilitando que o enlutado expresse seu pesar e partilhe sentimentos. É o que G. Caselatto define como dor silenciada, pois há regras de como, quando, quem, por quem e porquanto tempo o processo de luto deve ser vivido.
Em linhas gerais, esses aspectos estão presentes,
ficando mais evidenciados em situações não franqueadas.
Todas as situações que envolvem o não reconhecimento do luto (ver quadro acima) são carregadas de estigma, segredo, impossibilidade de rituais e sofrimento não expressado: condições que estão na base de um luto complicado. Adoto esse termo para substituir a ex-pressão "luto patológico", que repete o modelo médico, cristalizando a noção de "normal" e "não normal".
Para que aquele que sofre com a perda continue sua vida, sem estancar, é preciso entender (emocionalmente e não apenas intelectualmente) que, apesar da morte da pessoa querida, sua existência continua na memória do que foi vivido.
O que define se uma reação é considerada saudável ou não é a intensidade com que determinados sintomas se manifestam. A pergunta que deve ser feita é: por que algumas pessoas não conseguem gradativamente, retomar sua vida? Vários sintomas são esperados, tanto na esfera cognitiva quanto comportamental, social e emocional, e, no que se refere ao critério temporal, é sabido que o primeiro ano da perda é particularmente difícil, pois remete a todas as datas significativas que serão experimentadas, dali em diante, sem a presença da pessoa - são as chamadas reações de aniversário.
Assim como existem fatores de risco para luto complicado (mortes súbitas, violentas, perdas múltiplas, precoces, desaparecimento e suicídio), existem aspectos que ajudam na elaboração - eles são de ordem individual, familiar, religiosa e social. Destaco, entretanto, a possibilidade de ter esse sentimento validado, reconhecido, expressado em suas diferentes formas, principalmente nos rituais. Para aqueles que vivenciam um luto não autorizado é fundamental procurar formas de acolhimento com algum amigo que possa assumir o papel de confidente ou com um profissional capaz de ajudá-los a atravessar a dor.
PARA SABER MAIS:
Dor silenciosa ou dor silenciada? Perdas e lutos não reconhecidos por enlutados e sociedade G. Casellato (org). Livro Pleno, 2005.
NOTA DO BLOG:
Esse texto foi publicado na revista Mente & Cérebro (01/01/2011) e chama atenção pela ênfase que a autora dá a necessidade de compartilhar o sentimento de luto e, além disso, fala sobre a necessidade de dar prosseguimento à vida.
Esse texto foi publicado na revista Mente & Cérebro (01/01/2011) e chama atenção pela ênfase que a autora dá a necessidade de compartilhar o sentimento de luto e, além disso, fala sobre a necessidade de dar prosseguimento à vida.
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