domingo, 24 de outubro de 2010

OS vivos e os mortos

" Morrer não é ser deletado: aquele que aparentemente nos deixou está preservado no casulo de de seu novo mistério, sem mais risco, doença, ou tormentos. "

Por mais que as notícias falem de crianças assassinadas com um tiro na cara e de mulheres grávidas estupradas: por mais que ao nosso lado, de todas as formas, se banalize a morte, sempre que ela nos atinge, sentimos um grande abalo e fundo estranhamento.
Ela nos ronda, e mesmo assim não aceitamos a Senhora Morte, cujo aceno vai nos levar também, inevitável.
Ninguém sabe quando virá essa surpresa que não quereríamos ter.Chegará, súbita ou sorrateira, dedo dobrado que sinaliza: "Venha comigo, chega de brincar de vida, agora a coisa é real."

"No recente desastre de avião, que levou num golpe mais de 200 pessoas, está uma prova dramática do quanto vivemos alienados em relação á morte, e quanto ela pode ser cruel.Sabemos de apenas alguns dramas desse acidente: o casal em lua de mel, pais perdendo filhos, dez funcionários de uma indústria francesa premiados com quatro dias no Rio com acompanhante.A lista é longa e triste. Nem precisamos de um cataclismo de grandes dimens~]oes: basta a vida cotidiana, olhar um pouco para olado, e lá está a morte, trazendo agúsutias sem medida.

No começo tudo é horrível: só desepero e dor.No choque inicial, palavras e gestos de conforto, embora essenciais, podem até parecer ofensivos a quem sofre tanto.Paciência com a pessoa enlutada faz parte dos cuidados em relação a ela: a dor é natural e necessária.Mas nossa frivolidade abomina o silêncio, recolhimento e tristeza: queremos que o outro não nos perturbe, nem ameace com suas lágrimas.Então dizemos: Reaja! Não chore! Controle-se!, embora seja até perverso exigir isso de alguém que está de luto.

Uma jovem reclamou que sua mãe, viúva, não parava de chorar.Desconfiei daquela vagamente irritada preocupação e perguntei: "quanto tempo faz que seu pai morreu? A resposta veio imediata."Quinze dias".Sugerí que ela deixasse a mãe com seu sofrimento, para que um dia ela pudesse se recuperar.Porque, mesmo que não haja verdadeiro consolo, existe a possibilidade de , a seu tempo, cada um se recompor.Ainda que a gente nunca mais seja a mesma, mudar não é tornar-se pior.Faz parte desse processo, entender que a melhor homenagem a quem se foi é viver como ele gostaria que a gente vivesse.Esse é um segredo de não sobreviver como vítima que se arrasta indefinidamente, mas como quem reencontrou em si, de uma outra forma, o que parecia perdido.

Quando seus amigos choravam porque ele fora sentenciado, por uma sociedade preconceituosa, a tomar veneno, o grego Sócrates os censurou: "Porque se lamentam assim? Se a morte for um sono sem sonhos, que bom será.Mas, se for um reencontro com pessoas queridas, que bom será também!"
O tempo vai preservar e iluminar os melhores momentos havidos.Talvez passemos a valorizar menos o dinheiro, o sucesso, a beleza e o poder.Seremos mais abertos á vida, mais gentis com os outros, mais bondosos conosco mesmos.....

(Parte de um texto da escritora Lya Luft, publicado na Revista Veja)

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